Introdução
O que é envelhecer? Tentar responder a esta pergunta remete inevitavelmente a uma viagem histórica que possa demonstrar o quão complexa é esta questão e a diversidade de perspectivas que podem ser lançadas sobre ela.
A complexidade se demonstra através da grande variedade de dimensões que se sobrepõem na vivência e descrição da velhice. Entre as perspectivas possíveis de lançarem luz sobre essa questão encontram-se a biológica, sociológica, histórica, psicológica, psicanalítica, antropológica, espiritual-religiosa, tanatológica, geriátrica, e muitas outras mais.
Considerando a velhice pelo ponto de vista subjetivo, “um velho”, segundo Sartre, jamais se sente um velho. “Compreendo, a partir dos outros, o que a velhice implica para aquele que a observa do exterior, mas não sinto a minha velhice” (Mannoni, 1995). A partir desse depoimento pode-se inferir que a velhice é vivida de forma muito diferente de um individuo para o outro, dependendo dos contextos pessoais, socioeconômicos e culturais, sendo, portanto difícil estabelecer limites entre o normal e o patológico.
Simone de Beauvoir (1990), na sua obra “A Velhice”, faz uma descrição, baseada nos estudos de etnólogos, da variedade de experiências e do significado do envelhecimento nos mais diversos contextos sócio-culturais. É assim que nos relata o costume, por exemplo, da comunidade dos anos, no Japão antigo, que deixavam para trás os seus velhos por considerá-los sem serventia e uma carga para o grupo. A citada autora sublinha que é o sentido atribuído a sua existência pelo homem com seu sistema de valores que define o sentido e o valor da velhice. Inversamente, uma sociedade revela seus princípios éticos através do tratamento dado aos seus idosos.
Há, hoje um crescimento considerável da proporção de pessoas mais velhas na população brasileira, com uma expectativa de que em 2005, esse grupo represente em torno de 15,1% da população (Miguel e Fortes, 2005). Em outras palavras, o Brasil está envelhecendo e vemos emergir as questões referentes aos direitos sociais dos idosos, tais como aposentadoria, meia-passagem, gratuidade nos transportes públicos e preferencial nas filas dos diversos estabelecimentos comerciais. A sociedade brasileira tem de perceber que está envelhecendo e se questionar sobre quais implicações esse aumento terá no funcionamento da previdência social, que já não está muito bem, nas resoluções acerca da aposentadoria e naquilo que diz respeito ao cuidado do Estado com a saúde daqueles que já não podem mais pagar por serviços médicos particulares, visto que também os planos de saúde têm preços exorbitantes para as pessoas de idade avançada. Porém, estamos diante de uma série de construtos historicamente situados e que possuem tradições que lhes dê sustentação de não importância geral àquilo que remete à idade avançada, uma vez que as próprias pessoas têm dificuldade em se ver nesse lugar, em que, caso não se morra, todos irão chegar.
A partir de quando, portanto, o envelhecimento passou a constituir um objeto de estudos sistemáticos no âmbito das disciplinas acadêmicas? Podemos situar nos meados do século XIX os primeiros estudos que tinham como marca uma preocupação com os aspectos fisiológicos e biológicos deste período da vida e também a constituição de uma representação com cores mais fortes da idéia de envelhecimento e degradação corporal (Uchoa, Firmo e Lima-Costa, 2002).
É importante assinalar que o envelhecimento era um fenômeno raro antes da época Moderna. Pode-se concluir, portanto, que o aumento de uma população envelhecida começa a colocar uma série de questões práticas para as sociedades. Um esclarecimento relevante é que o propagado aumento da expectativa de vida das pessoas refere-se ao fato de um número bem maior de pessoas chegarem à fase de envelhecimento e não ao fato de ter ocorrido uma dilatação temporal do tempo de vida da espécie humana. Esta maior expectativa de vida estaria relacionada à diminuição da mortalidade infantil, resultando daí um re-ordenamento da forma como estariam distribuídas as faixas de crianças, jovens e idosos tornando a pirâmide um quadrado populacional ou, em alguns países da Europa uma pirâmide invertida.
Desta maneira podemos assinalar que os valores dos índices de prevalência do envelhecimento estão ligados a fatores socioeconômicos e políticos e suas implicações na vida de cada indivíduo. A crescente carga e custos que o aumento da população acarreta para as famílias e a sociedade brasileira, justificam uma ocupação cada vez maior das políticas e saúde públicas e das ciências ligadas à saúde e sociedade.
O processo de envelhecimento acarreta inevitavelmente uma série de transformações. Assim, Lolete Ribeiro Silva no seu artigo “Papéis Sociais e Envelhecimento em uma Perspectiva de Curso de Vida” pontua que:
“(...) durante o envelhecimento os principais fatores de influência da sociedade sobre o indivíduo são a resposta social ao declínio biológico, o afastamento do trabalho, a mudança da identidade social, a desvalorição social da velhice e a falta de definição sociocultural de atividades em que o idoso possa perceber-se útil e alcançar reconhecimento social. A vida do idoso é, portanto dominada por um alto nível de estresse, devido às expectativas e obrigações formalizadas”.
Se a vida do idoso é marcada por índices elevados de estresse, o que é que significa mesmo estresse? Várias acepções podem ser a ele atribuídas. Primeiramente ele foi usado por Hans Selye (1956, citado por Cabral e cols., 1997), o criador e pesquisador que levantou pioneira e profundamente a questão, portanto:
“(...) chama-se de estressor qualquer estímulo capaz de provocar o aparecimento de um conjunto de respostas orgânicas, mentais, psicológicas e ou comportamentais relacionadas com mudanças fisiológicas padrões estereotipadas, que acabam resultando em hiper função da glândula supra-renal e do sistema nervoso autônomo simpático. Essas respostas em princípio tem como objetivo adaptar o indivíduo a nova situação, gerada pelo estímulo estressor, e o conjunto delas, assumindo um tempo considerável, é considerado de estresse. O estado de estresse está então relacionado com a resposta de adaptação”.
Segundo Calais (2003) o estress:
“(...) é uma reação intensa do organismo frente a qualquer evento bom ou mau que altere a vida do indivíduo. Essa reação ocorre, em geral, frente à necessidade de adaptação exigida do indivíduo em momentos de mudança (Everly, 1989). Sendo o Brasil um país em desenvolvimento onde as mudanças sociais, morais, econômicas e tecnológicas ocorrem com uma rapidez muito grande, é de se prever que o nível de stress do brasileiro seja significativo. A prevalência do stress provavelmente é bastante elevada no Brasil, pois chega a 32% em São Paulo, como verificado por Lipp, Pereira, Floksztrumpf, Muniz e Ismael (1996) em uma amostra de 1818 pessoas que transitavam em um aeroporto nesta cidade”.
Segundo Cupertino e cols. (2006):
“Os possíveis eventos estressores negativos na infância, tais como brigas e/ou separação dos pais, vivência escolar, morte na família, exigências e/ou rejeição de colegas, disciplina dos pais, hospitalização, doença e mudança de casa (Lipp, 2000) podem estar relacionados com sintomas depressivos em outros momentos do curso da vida, resultando em danos para o desenvolvimento global do indivíduo”.
Uma boa perspectiva para se entender e trabalhar com o construto estresse é a Teoria Interacionista segunda a qual o estresse consiste na interação que se dá entre o meio e o indivíduo, sendo que a avaliação cognitiva é que fará o papel de mediadora desta relação Lazarus e Folkman (1987, citado por Oliveira & Cupertino, 2005). Portanto, tem-se que ao longo do curso de vida pode-se encontrar vários tipos de estressores que são mais característicos de cada fase. Pode-se perguntar quais são os eventos estressores mais comuns que estão presentes no cotidiano dos idosos da nossa sociedade. É necessário reafirmar que existe uma diversidade nos padrões de envelhecimento, considerando que não há homogeneidade no grupo das pessoas idosas (Coll e colaboradores, 2004).
Levando em consideração a necessidade de estudar o estresse na perspectiva do desenvolvimento humano várias foram às pesquisas relacionando a fase idosa a eventos estressores. A partir da pesquisa realizada por Aldwin e cols. (1996, citado por Oliveira & Cupertino, 2005), com uma amostra de idosos norte-americanos, encontrou-se, dentre os principais tipos de estressores relatados pelos entrevistados: problemas de saúde (tanto do próprio idoso como de outros), relações conjugais, problemas financeiros, aposentadoria e aborrecimentos diários.
A presença e os efeitos desses estressores na vida dos idosos podem ser minimizados tendo em vista o acionamento de estratégias de enfrentamento que podem resultar em formas mais adaptativas ao contexto. Estudos recentes têm destacado o papel que o apoio social exerce como um fator de promoção de saúde, bem-estar e conseqüentemente como redutor dos efeitos dos níveis de estresse vivenciados por muitos idosos.
Dean Ornish (1998) na sua obra “Amor e Sobrevivência” ressalta esta questão:
“Em um estudo com mais de setecentos idosos, por exemplo, os efeitos da velhice tinham mais a ver com o quanto eles contribuíam para a sua rede de apoio social do que com o que recebiam dela. Quanto mais amor e apoio eles ofereciam, mais se beneficiavam. Uma das definições mais simples e mais elegantes de apoio social é esta: ‘Apoio social é definido como informação que leva o indivíduo a acreditar que é protegido e amado, respeitado, e que é um membro de uma rede de obrigações mútuas’”.
Já Rosa Maria Lopes Martins no seu estudo “Relevância do apoio social na velhice”, realça a complexidade deste fenômeno:
“Na opinião de diversos autores o apoio social não deve ser simplesmente uma construção teórica, mas antes um processo dinâmico e complexo que envolve transações entre indivíduos e as suas redes sociais, no sentido de satisfazer necessidades sociais, promovendo e completando os recursos pessoais que possuem, para enfrentarem as novas exigências e atingirem novos objetivos”.
Segundo Souza e cols. (2007):
“(...) o apoio social (social support) é qualquer informação e ou auxílio material, oferecido por grupos e ou pessoas, com os quais se têm contato sistemáticos e que resultam em efeitos emocionais e ou comportamentais positivos. São trocas mútuas onde tanto aquele que recebe quanto o que oferece apoio são beneficiados por darem um maior sentido as suas vidas. Estudiosos do apoio social apontam para o seu papel na prevenção contra doenças, manutenção e recuperação da saúde. O apoio social contribui criando uma sensação de incoerência e controle da vida, afetando beneficamente o estado de saúde das pessoas”.
Vários foram às pesquisas associando a velhice com o apoio social, sendo assim segundo Martins na pesquisa realizada por Serra (1999) percebeu-se que:
“O apoio social terá um efeito direto sobre o bem-estar, fomentando a saúde independentemente do nível de estresse, o que significa que quanto maior for o apoio social menor será o mal-estar psicológico experimentado e quanto menor for o apoio social maior será a incidência dos transtornos”.
O estudo justifica-se à medida que proporciona uma reflexão que devido o aumento do número de pessoas idosas, e ao fato da populacional brasileira e mundial estar envelhecendo fazendo com que as pirâmides sociais se invertam de um formato triangular para um quadrado, faz-se necessário estudos que venham a esclarecer os aspectos psicológicos que influenciam para um desenvolvimento que proporcione saúde e bem-estar psíquico, logo em uma qualidade de vida na velhice, e quiçá em uma maior longevidade. Dessa forma como os eventos estressores tem sido um fator freqüente, crescente e presente na vida da sociedade em geral, é importante verificar como estes eventos aparecem e são relevantes no cotidiano dos idosos.
Como os estudos sobre apoio social vem ressaltando o quanto este é um importante estratégia de enfretamento para os eventos estressores na velhice, o presente estudo objetiva aprofundar a correlação destes com o apoio social, bem como relacioná-los aos dados sócio-demográficos da amostra.
Método
O presente estudo objetiva realizar uma pesquisa pré-experimental, pois consiste num estudo correlacional com somente um grupo de 50 idosos de ambos os sexos com idade a partir dos 60 anos, escolhidos aleatoriamente de acordo a disponibilidade.
O instrumento utilizado aborda as variáveis estresse, avaliação, estratégias de enfrentamento através do questionário PENSA (Projeto dos processos do Envelhecimento Saudável) que foi elaborado por Aldwin e cols. em 1996 e foi traduzido e adaptado por Cupertino. Este consiste de duas listas contendo os principais eventos de vida estressantes (Anexo 1 e 2). A primeira lista, de eventos positivos, consiste em 14 itens, como, por exemplo, casar, ter filhos, sucesso acadêmico, sucesso no trabalho, entre outros. A segunda lista, de eventos negativos, engloba eventos como problemas na relação do casal, problemas com os filhos, problemas no trabalho, problemas de saúde, morte dos pais, solidão, entre outros, totalizando 31 itens. Nessas escalas era solicitado ao idoso que apontasse o tempo de ocorrência dos eventos (no último ano, nos últimos cinco anos e há mais de cinco anos) ou se não ocorreram. Ressalta-se que serão considerados para este estudo somente os eventos que ocorreram no último ano (Oliveira & Cupertino, 2005).
Possui alguns instrumentos que não foi possível postar no blog.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Beauvoir, S. (1990). A Velhice. Rio de Janeiro: Nova fronteira.
Bee, H. (1997). O ciclo vital. Porto Alegre: Artmed.
Cabral e cols. (1997). O Estresse e as Doenças Psicossomáticas. Revista de Psicofisiologia, 1(1).
Calais, Sandra Leal; Andrade, Lívia Márcia Batista de; Lipp, Marilda Emmanuel Novaes (2003). Diferenças de sexo e escolaridade na manifestação de Stress em adultos jovens. Psicologia: Reflexão e Crítica, vol.16, n. 2.
Cupertino, Ana Paula Fabrino Bretas et al. (2006). Estresse e suporte social na infância e adolescência relacionados com sintomas depressivos em idosos. Psicologia: Reflexão e Crítica, Porto Alegre, v. 19, n. 3.
Debert, G.G. A reinvenção da velhice. São Paulo: EDUSP/FAPESP.
Mannoni, M. (1995). O Nomeável e o Inomeável. Rio de Janeiro: Zahar.
Martins, Rosa Maria Lopes (2005). A relevância do apoio social na velhice. Educação, ciência e tecnologia. Millenium - Revista do ISPV - n. 31 - Maio de. http://www.ipv.pt/millenium/Millenium31/9.pdf
Miguel, C. S. & Fortes, V. VL. F. (2005). Idosas de um grupo de terceira idade: as interfaces da relação com suas famílias. Revista Brasileira de Ciências do Envelhecimento Humano, jul. - dez. 2005, 74-85.
Oliveira, Beatriz Helena Domingos & Cupertino, Ana Paula Fabrício Bretãs (2005). Diferenças entre gêneros e idade no processo de estresse em uma amostra sistemática de idosos residentes na comunidade – Estudo PENSA. Textos Envelhecimento, Rio de Janeiro, v.8, n.2.
Ornish, D. (1998). Amor e sobrevivência: a base científica para o poder curativo da intimidade. Rio de Janeiro: Rocco.
Silva, L. R. & Gunther, I. A. (2000). Papéis sociais e envelhecimento em uma perspectiva de curso de vida. Psicologia: Teoria e Pesquisa. Brasília, 16 (1).
Souza, Edinilsa Ramos e cols. (2007). Rede de proteção aos idosos do Rio de Janeiro: um direito a ser conquistado. Revista Ciência & Saúde Coletiva da Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, 0096.
Uchôa, E., Firmo, J. & Lima-Costa, M. (2002). “Envelhecimento e saúde: experiência e construção cultural. In Minayo, M.C.(org). Antropologia, saúde e envelhecimento. Rio de Janeiro: Fiocruz.
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